Gosto de comer bem e frequento muitos restaurantes, mas nem sempre foi assim!
Não que eu não gostasse de comer bem, mas, quando jovem e estudante, não tinha subsídios para tal... sim, já fui jovem e estudante!!!
Surgiu daí a brilhante ideia de “copiar” essas receitas para fazer em casa, e assim começou minha história na cozinha: necessidade e curiosidade.
Gostava, e gosto, muito dos pratos com a “cara” de São Paulo dos anos 80, e minhas incursões gastronômicas começaram com a torta de galinha do Ritz, as quiches do Charlô, a lasanha do Longchamp, os pratos do Wlady Soares que recheavam o cardápio do Spazio Pirandello, as massas do Piolin e tantos outros lugares que não seria de “bom tom” citar aqui, tipo “prefiro não comentar”, mas prestava muita atenção nos pratos e seus detalhes para mais tarde copiá-los.
E hoje, encontro em cardápios ditos de vanguarda, esses pratos clássicos, não só os da minha juventude, mas também criados por chefs renomados que por sua originalidade e genialidade já são clássicos!
Nada contra, inclusive lanço mão deste artifício, mas o que sinto é que a maioria dessas “criações”, não passa de um lamentável “déjà vu” com muitas tentativas malsucedidas, com infindáveis execuções lamentáveis e raras cópias fidedignas.
Pratos assim geralmente são apresentados no cardápio valorizando uma receita conhecida, um restaurante conhecido, um chef conhecido e até pessoas oportunistas alçadas a conhecidas, as neo-celebridades, quase sempre precedidas de alcunhas como: “em homenagem à”, “inspirado em”, “seguindo a tendência de”.
Nunca o tal homenageado é um Zé Ninguém, até porque o foco dessa ação é vender, virar notícia ou criar polêmica, estratégia de marketing que torna a gastronomia atual em um “case” publicitário e não na prática da arte culinária.
Mas voltando ao foco gastronômico, nada mais prazeroso que um prato bem-feito - clássico, cópia ou criação - com carinho, técnica e alma.
Eis a diferença de um cozinheiro de forno&fogão e um chef de biblioteca, de laboratório, copista ou um mero invejoso!
Sinceramente acho que em gastronomia o que é bom é para ser copiado, e me orgulho de ter copiado, experimentado e reproduzido fielmente alguns pratos de alguns mestres, e me dado o direito de alterar alguns sem nenhum pudor.
Tenho orgulho também de ter sido copiado, tanto pelos talentosos quanto pelos invejosos, pois para ser copiado é necessário criar, e crio melhor que copio.
Da obra do Laurent Suaudeau copiei uma mousseline de mandioquinha com ovas de salmão e caviar, uma mistura harmoniosa de sabor, cor e textura perfeita, e na minha adaptação, a manteiga de trufas confere um perfume único.
Do mesmo Laurent veio a receita do clássico creme brulée que sirvo: a mais equilibrada de todas que provei, e a mais simples também.
O creme de funghi em crosta, criação memorável do Luciano Bosseguia quando no comando da cozinha do Fasano, é figurinha carimbada em muitos dos meus cardápios.
Em 1994 a Revista Vogue publicou uma série especial com os Grandes Chefs, e no tomo protagonizado por Luciano estava esta receita, com o mesmo sabor da primeira vez que experimentei... fui as nuvens.
Nesta mesma edição outra receita maravilhosa do glamoroso Fasano da Haddock Lobo: o peito de perdiz com polenta.
Esta tentei reproduzir sem sucesso, beirando o desastre... nem todas acertamos.
Copiar ou adaptar receitas clássicas merece respeito e uma boa dose de licença poética: o que seria do cardápio sem algo “a Rossini”, algum “chateaubriand” ou uma mera mayonnaise, (não maionese Hellmans)?
São receitas com nome e sobrenome, ícones da gastronomia!
Estas homenagens são parte da história da alimentação tanto quanto as copias e as adaptações!
Certa vez fui convidado a reproduzir o cardápio do filme “A Festa de Babette”, uma homenagem a cozinha francesa, e dele fazia parte uma sopa de tartaruga!
Ora, como conseguir carne de tartaruga para o Potage à la Tortue?
Tentei em supermercados e mercados, pensei em casas de umbanda, traficantes de animais e saqueadores de zoológicos, mas onde se compra carne de tartaruga?
Resposta: não sei e não tenho o menor interesse em saber!
Só sei que o chef dessa cozinha fez uma alquimia com carne de vitelo e ostras para criar uma quenelle cozida no caldo de legumes que resultou em uma sopa de tartaruga fantástica que faria Babette chorar de emoção e a Tartaruga Touche usar luto pela perda do parente... uma cópia perfeitamente adaptada!
Copiar sabores é uma evolução da arte de cozinhar, não só dos grandes estudiosos, mas também das cozinheiras domésticas que com abobrinhas, tomates e muitas folhas de louro, criam o falso camarão que tem sabor de ... camarão!
Cópias caseiras vivem nas lembranças infanto-culinárias.
Mais que as cópias, respeito muito as homenagens e as inspirações!!!!
Como conhecer o trabalho de alguns chefs, cozinheiros de alma, sem se inspirar?
Thomas Keller, para mim um dos melhores chefs de hoje, alcança a perfeição de sabores em pequenos detalhes, assim como Carême e Escoffier, detalharam a cozinha para alcançar a perfeição dos sabores.
Como cozinhar sem ter mestres para nos inspirar e um leque de gourmets, gourmands e cozinheiros para homenagear?
E entre minhas inspirações e homenagens surgem todo esse tipo de gente: Mara Salles, Celidônio e Toigros; Cora Coralina, Raquel de Queiroz e Anthony Bourdain; Alain Ducasse, Shin Koike e Paulo Martins; Ana Soares, Bob Spitz e Roberta Sudbrack; Manuel Beato, Bassoleil e Ana Castilho... enfim... preciso de mais espaço para citar todas as inspirações e aplaudir todos que gostaria de homenagear.
Caetano tentou e não conseguiu homenagear todos que queria em “Gente” (...gente viva brilhando estrelas na noite!)
Diogo Nogueira revelou suas inspirações no maravilhoso “Samba pros poetas”, mas faltou música para tantos poetas inspiradores!
“Paratodos” de Chico Buarque homenageia seus povos, seus fãs e seus ídolos.
Como posso então citar todas minhas inspirações e homenagens em poucas linhas?
Fica aqui minha admiração aos que copiei e aos que me copiaram e melhoraram o que criei, pois se me copiam, e porque eu também posso inspirar.
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