Em tempos de redes sociais, as modas vêm e vão de uma maneira assustadora, e o que é tendência em um dia, na manhã seguinte pode ser obsoleto!
E em meio a essas balelas gastronômicas, surge a cozinha raiz como uma tendência!
Ledo engano: a cozinha raiz é a raiz de tudo!
Estou certo de que o futuro da nossa cozinha está no passado, na cozinha raiz, que nada mais é que um conjunto de receitas que surgiram naturalmente, ou para dar vazão aos produtos da época!
As técnicas e processos eram passados de mãe para filha, quase segredos de cozinha guardados a sete chaves em livros de receitas com colagens de suplementos de jornais e revistas femininas.
Cozinhar era coisa de mulher, e nelas está guardado a essência da cozinha raiz.
O porco na lata, as compotas de frutas, os legumes conservados no vinagre,
o peixe seco ao sol, em filés espalmados ou escalados, suas ovas maturadas ... e sempre a farinha como guarnição!
A cozinha raiz é uma cozinha de sobrevivência, e ao passear pelos livros de receitas, de norte a sul desse país multicultural, uma raiz permeia as páginas repletas de técnicas e sabores!
Estou aqui saudando a mandioca, uma das maiores conquistas do Brasil!
E não é preciso ser nenhum conhecedor de história para saber que ninguém conquistou a mandioca, ela nos conquistou!
A origem mais provável desta planta de folhas e raízes generosas é o cerrado brasileiro e, a partir dali, essa raiz - a manioca, o aipim, a macaxeira, ou simplesmente mandioca - tornou-se a base alimentar de um povo, manipulada e consumida de várias maneiras, mas principalmente como farinha!
Vestígios de pilões para sua moagem datam de dois mil anos na região norte do Brasil, muito antes de 1551 quando o padre jesuíta Manuel da Nóbrega, nas cartas em que apresentava a nova colônia a Coroa Portuguesa, se referia ao beiju e as farinhas fabricadas pelos indígenas a partir de uma raiz ralada e seca ao sol ou em fornos de barro.
Basicamente são dois processos: a seca proveniente das raízes lavadas, descascadas, raladas, prensadas, peneiradas e secadas em forno; e a farinha d´água, onde as raízes são colocas na água e deixadas para fermentar por tempo variado e, depois de amolecidas, são peneiradas e secadas de maneiras diversas, ou usadas como massa.
A farinha de carimã de Pernambuco, que é a massa puba, feita com a mandioca fermentada, que seca naturalmente, perfeita para mingau e cuscuz de coco.
Da Bahia vem a farinha bijusada quebradinha que é feita com a goma peneirada numa camada fina sobre uma chapa de ferro quente, formando pequenos beijus disformes e crocantes, que, acreditem, é consumida com café ou leite, um “sucrilhos” de mandioca, aliás, também é encontrada torrada com coco e açúcar, a “granola” do sertão baiano.
A farinha de tapioca é típica do Pará: grânulos de amido estourados em chapa quente como pipocas fica semelhante a um isopor, perfeito para acompanhar a polpa de açaí ou bacaba salgada e doce.
Do Amazonas tem a farinha d’água de Uarini, tipo ovinha: a mandioca amarela é amolecida em água, peneirada e rolada com a mão até formar bolinhas.
Com ela se faz o típico mingau doce com leite de castanhas que é a essência do sabor amazônico.
Já a farinha de mandioca do litoral catarinense é fina como a farinha de trigo, resultado de um erro de projeto: foram instalados moinhos de farinha de trigo em regiões onde o trigo não prosperou, e começaram a processar a mandioca nestes moinhos e, como resultado, temos uma farinha única, própria para fazer o pirão de leite ou o pirão de náilon.
E de mandioca em mandioca, de farinha em farinha, se desenhou a culinária brasileira, variando de região por região devido ao clima, a espécie da planta e a particularidade de cada povo!
Vamos saudar a mandioca, a raiz da nossa cozinha raiz, e as mulheres cozinheiras, que registraram a nossa história gastronômica em seus cadernos de receitas!
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